blog [FRACTOSCÓPIO] Rosy Feros

9 de fevereiro de 2002

Passarela do Samba



Já começou o carnaval, mas confesso que não me sinto muito à vontade nessa época... Se pudesse, este ano eu iria para um mosteiro zen! ;-)

O Carnaval não tem muito a ver comigo, pessoalmente falando. Prefiro olhá-lo à distância. Sempre gostei de analisar os temas escolhidos pelas escolas de samba, a cada ano, e avaliar como essas idéias são transformadas em espetáculo apoteótico. Espetáculo ríquíssimo em forma e conteúdo, reconheça-se. Não deixa de ser impressionante observar como esta indústria do entretenimento, tipicamente brasileira, apresenta um nível de organização tão grande (que muitos julgam não existir).

Do ponto de vista artístico, as escolas de samba são uma gigantesca peça de teatro ao ar livre, por assim dizer, que lembram muito as bacantes e saturnálias greco-latinas. Têm atores, diretores, músicos, roteiro pré-determinado e uma infra-estrutura técnica de primeira linha.

Do ponto de vista da Comunicação, pode-se dizer que o Sambódromo e as demais avenidas do país, durante o desfile cronometrado e ultra-planejado das escolas de samba, transformam-se num verdadeiro teatro de operações a céu aberto, um verdadeiro e valioso veículo para a Promoção & Merchandising.

Os carnavalescos das escolas atuam, na prática, como gerentes de projeto culturais. Dar conta de tantos detalhes e de tanta gente realmente não deve ser fácil, exigindo da direção das escolas raras habilidades de coordenação. Além disso, os carnavalescos são grandes publishers de conteúdos estéticos e ideológicos, cujo sucesso depende, dentre outras coisas, da escolha do tema do ano e de como conseguem resolver musical e plasticamente o tema escolhido.

É impressionante lembrar também que as escolas de samba, ainda que dediquem praticamente um ano inteiro ao Carnaval, só transformam em realidade completa a idéia criativa do carnavalesco quando desfilam na avenida. Até então, ninguém sabe exatamente como serão as coisas e, apesar dos ensaios nas quadras das escolas, o Carnaval só acontece mesmo durante os desfiles públicos. Ou seja, o Carnaval (em se tratando do desfile formal das grandes escolas de samba, claro, e não do carnaval de rua) é planejado para existir enquanto performance.

O projeto cultural do carnavalesco sai do papel e do virtual no momento mágico em que a escola inteira mergulha na passarela do samba. Todos os conteúdos estéticos e ideológicos, veiculados pelos integrantes das escolas, são "publicados" no espaço de 85 minutos/escola para o público local e, simultaneamente, para todo o Brasil e exterior através de todo o aparato midiático (este ano, a Globo estará retransmitindo para 20 países).

Além do fato das avenidas serem um espaço para a Promoção & Merchandising, o Carnaval gera várias outras oportunidades mercadológicas, direta e indiretamente. E este processo não pára depois dos quatro dias: os festejos de Momo permanecem presentes nos vários canais da mídia (TVs, revistas, jornais, rádios, internet. etc.) e repercutem ainda por um bom tempo, sendo exaustivamente comentados e reprisados, gerando produtos secundários os mais diversos (publicações impressas especializadas, fitas de vídeo, etc.).

Alguém ainda tinha dúvidas de que o Carnaval brasileiro é uma verdadeira indústria, ou ainda não tinha entendido por que mobiliza o país por, no mínimo, um mês? :-)

Diante de tanta competência técnica, comercial e artística a serviço do Carnaval, o Brasil bem que poderia acordar para o fato de que a indústria do entretenimento é a nossa grande vocação nacional. E o carnaval bem que poderia ser eleito um dos grandes carros-chefe dessa indústria, de verdade, saindo do eixo Rio-São Paulo e estendendo-se de norte a sul do país. Já pensou cada região brasileira com seu carnaval, destacando suas peculiaridades culturais para todo o mundo?

Bom, falando tanto de serpentinas... eis aqui um poema que escrevi nos idos de 1993 (!), uma impressão bastante pessoal sobre o Carnaval.

Latina


[Rosy Feros, 1993]

É carnaval na avenida
mas em mim dorme uma sina
de sangrar em boleros
o samba que passeia na avenida


A cada morte que eu vivo
meus dons transmutam
e a dor já não me diz mais nada


Em mim dói uma dor
fatal e latina
e é com ela que eu vivo
Viver sem ela me alucina