blog [FRACTOSCÓPIO] Rosy Feros

25 de março de 2002

E por falar em Sociedade Digital....



Eu não poderia ficar sem comentar da fantástica revista que recebi, RSD - Revista da Sociedade Digital, publicada pela Agência Eletrônica Comunicação & Marketing, de Brasília, cujas responsáveis são Ana Prudente e Catherine Henry.

Por que falo do pasto e dou nome aos bois? Porque eu realmente achei a RSD uma publicação de qualidade, e torço para que tenha vida longa e renda muitos frutos. Seu primeiro número, de dez/2001, tem como reportagem de capa justamente "Inclusão Digital: uma revolução tão poderosa quanto a dos livros impressos".

A publicação tem outras matérias bem interessantes. Dentre elas, destaco: "Universalização ou morte!" (sobre o maior plano de universalização de acesso e Inclusão Digital do mundo, que é brasileiro), "Rede Brasil Gov" (sobre transmissão de dados por atacado no Governo Federal), "câmara-e.net" (sobre inclusão empresarial na economia digital), "nação.br" (sobre soluções para o governo eletrônico) e "Otimismo ma non troppo" (sobre novas tecnologias e a Sociedade da Informação).

Falando de união de pessoas



A publicação realmente salta aos olhos, é bonita e inteligente, e eu a sinto como sendo de muita valia para a evolução da nossa rede brasileira no novo milênio. Sendo uma publicação dirigida, destina-se a divulgar a idéia cada vez menos abstrata de Inclusão Digital, buscando esclarecer pontos ainda nebulosos ou apagados em nosso projeto brasileiro de inclusão digital.

Um dos pontos altos da RSD, na minha opinião, é a tentativa de dissociação entre consumo puro e simples de computadores e formação de uma rede nacional pública de informações, estabelecida on-line e destinada à popularização de informações de uso comum. É claro que o computador é um facilitador de tudo isto, mas uma rede on-line, ou um ciberespaço de dados, só existe em função da união de pessoas em torno de idéias comuns.

Finalmente estamos falando de união de pessoas, e não simplesmente de redes tecnológicas formadas por máquinas.

Conectando necessidades sociais pela Telemática



Em compensação, o que deixou a desejar neste primeiro número da revista, na minha opinião, é a matéria "França Digital - 1/4 dos franceses na rede". O primeiro parágrafo, a meu ver, talvez já indique desinformação, senão preconceito, com relação à rede telemática francesa. Vejamos:

"Embora seja hoje um dos mais avançados países do mundo em políticas de inclusão digital, a França só começou há poucos anos a implementar uma série de projetos para a inserção do país na Sociedade da Informação."

Querendo colocar os pontos nos ii, pergunto: ingressar telematicamente na Sociedade da Informação significa ter acesso universal à internet, como a conhecemos hoje, uma rede concebida majoritariamente segundo o paradigma social norte-americano? Ou, em outras palavras, Sociedade Digital é sinômino de sociedade conectada via internet?

Se considerarmos que a resposta é sim para ambas as perguntas, então a França realmente está atrasada, chegando depois de muitos na competição internacional para ver quem se adapta mais rápido com softwares em inglês para se comunicar on-line. Entretanto, se encararmos as coisas de uma forma mais abrangente, conceitualmente até, então as coisas viram do avesso. E aí percebemos que a França tem lição para nos dar e vender sobre o que é inclusão digital e Sociedade da Informação.

Inclusão Digital e acesso à internet



Pensar em inclusão digital a partir da explosão da internet comercial (digamos, de 1995 pra cá) é desconhecer que há todo um universo telemático desde muito antes, de meados da década de 80 do século passado para cá. Alguém já ouviu falar de Minitel francês ou do Videotexto brasileiro? Pois é. Poucos, infelizmente, devem ter levantado a mão, corroborando (muitas vezes até sem saber) para que grande parte de nossa história telemática, iniciada a partir da conexão do primeiro computador a outro através de linha telefônica via modem, seja apagada ou esquecida.

Há várias décadas, a França já sabe o que é conectar necessidades sociais e civis a soluções tecnológicas. A rede Minitel francesa - a rede telemática desenvolvida e popularizada na França na década de 80 - é exemplo de socialização da informação e também de e-commerce (aquela coisa que todo mundo quer fazer mas que quase ninguém ou muito poucos sabem exatamente como é que funciona).

Esta rede Minitel, espécie de avó da nossa internet de hoje, ainda existe e ainda funciona, a todo vapor. E, ironicamente, existe paralelamente à internet. E funciona plenamente, tanto como elemento catalisador da população francesa quanto como pólo francês de e-commerce. E é por isto que a França tem tanta resistência diante da internet, uma rede que é concebida segundo parâmetros sociais e tecnológicos bem diferentes da rede Minitel. Acontece que os franceses têm medo de arriscar, trocando o certo (rede Minitel) pelo duvidoso (Internet). Estariam eles sem razão?

Lições da nossa história telemática



Antes da gente responder se sim ou se não, lembro que o Brasil (é, ele mesmo) já teve uma grande rede telemática nacional, criada aos moldes tecnológicos do Minitel francês, chamada Videotexto. Rede esta que a TELESP, nos seus últimos tempos, um pouco antes da Telefónica espanhola chegar por aqui, batizou de PLUG FÁCIL... Bom, esta história é grande e complicada de resumir, e eu inclusive já cheguei a escrever um pouco sobre ela no artigo "Testemunhal Telemático - O Videotexto que a internet brasileira esqueceu", comentando sobre minhas experiências e projetos com videotexto de 1990 a 1992.

Por ora, deixo com vocês as palavras de Verginio Zaniboni, autor do livro "Videotexto no Brasil" (São Paulo: Ed. Nobel, 1986), que até parecem algo proféticas para quem desconhece este pedaço da história telemática brasileira:

"O Videotexto é uma nova mídia que se completa com a interligação do telefone e o televisor através de um adaptador com teclado alfa-numérico.

Desta forma é possível o acesso às informações armazenadas em um banco de dados. O Videotexto aproveita a infra-estrutura instalada (rede telefônica), que o torna um veículo de baixo custo operacional, fácil manuseio e de grande penetração na sociedade".

Trocando a palavra "videotexto" por "internet", este trecho acima poderia passar como atual, talvez até vanguardista - uma vez que já pressupõe a interligação telefonia e TV, coisa ainda misteriosa ou difícil para muitos. A partir de 1982 (!), o Videotexto da TELESP já existia assim, as pessoas poderiam ter acesso a ele de sua casa sem nem precisar de computador. Bastava ter uma linha de telefone e uma TV. O tempo de acesso do usuário era medido mensalmente e seu valor debitado da conta telefônica, e podíamos saber exatamente quantos pulsos utilizávamos para transmissão dos dados (informação esta que, hoje, a Telefónica de SP nos sonega e, ironicamente, diz não ser possível saber).

Não queria tergiversar tanto, mas todas estas memórias irromperam em mim ao ler a matéria da RSD, "França Digital". É injusto desconsiderar a história telemática francesa pré-internet, e ainda mais injusto não comentar que o Brasil já teve também a sua rede de amplitude nacional!

Para quem tiver acesso a este livro do V. Zaniboni (talvez, com sorte, em sebos de qualidade), recomendo fortemente sua leitura. Aliás, trata-se de leitura indispensável para a compreensão de um Brasil pioneiro que existiu e existe, ignorado por muitos, e que continuará existindo.

OBS. Você pode solicitar um exemplar impresso da RSD ou, se quiser, ler on-line as matérias da revista e até mesmo fazer download da revista inteira em formato Acrobat PDF (2.9Mb)