blog [FRACTOSCÓPIO] Rosy Feros

10 de outubro de 2001

Em se acreditando, tudo há
(ou A vida que imita a arte)

É impressionante imaginar o quanto a vida pode imitar a arte. Muitos dizem, até, que a vida, nua e crua, não teria a menor graça. Que são necessárias pitadas ultra-realísticas de imaginação e fantasia para que ela se torne "apetecível" para nós.

Em se tratando de imaginação e fantasia, muita gente acredita que o ápice da criatividade humana no que diz respeito à construção de realidades imaginárias está representado pelas redes telemáticas, particularmente a internet. Não parece ser necessário, contudo, gastar muitas teorias para se dizer o quanto as redes telemáticas podem influir (ou colaborar) na psique humana, minando ou alterando as possíveis linhas divisórias entre imaginação e realidade presentes em nós.

Que as redes atiçam nosso potencial de sonho e imaginação, não parece haver dúvidas. Mas enquanto o foco estiver nas redes telemáticas, alegando-se que a internet é grandemente responsável por embaralhar as fronteiras entre razão e imaginação, entre sanidade e loucura, perderemos a oportunidade de observar fatos sociais tão ou mais sérios quanto este.

A grande "indústria dos sonhos" de Hollywood é um exemplo. Seus roteiros de ficção vêm impregnando as mentes coletivas há décadas, chegando em muitos casos a transformar, ostensiva e subliminarmente, nossa sociedade globalizada num verdadeiro construto virtual, criado a partir da subjetividade de alguns roteiristas.

A coisa chegou num ponto que não podemos saber com perfeita exatidão até que ponto nossas idéias, emoções, pensamentos e atos são genuinamente nossos, têm origem real em nós, em nossa experiência pessoal-sensorial real, ou se são fruto de todas as idéias, emoções, pensamentos e atos que temos absorvido (por décadas) do cinema ou da TV, nossas principais fontes de alimentação midiática da atualidade.

Nossa experiência real está, da maneira mais natural possível, plenamente impregnada de toda a propaganda sócio-ideológica comunicada através dos grandes construtos midiáticos. O processo ocorre de forma tão natural que muitas vezes mal percebemos.

As duas matérias que li hoje, relacionadas logo abaixo, refletem bem este espírito de confusão entre imaginário e real. Ou, pelo menos, demonstram, na minha opinião, como estamos coletivamente permeados de fantasia, experimentando "realmente" realidade ditas virtuais sem nos darmos conta disto. Aliás, não poderíamos dizer que uma realidade virtual, uma vez experimentada ou vivenciada em termos reais, deixa de ser virtual ou fictícia e torna-se real? Se isto é verdade, nossa realidade palpável (ou que é palpável? é só o que é tangível?) seria real apenas por uma questão de fé - em se acreditando, tudo há.

O ciberespaço fantasioso e ideológico criado e mantido por Hollywood ao longo de várias décadas, da mesma forma que o ciberespaço das redes telemáticas, só existe porque acreditamos nele. Se pararmos de acreditar, a rede, enquanto agrupamento humano, não tem por que existir. As verdades construídas pela indústria do cinema também necessitam desta crença coletiva, por isto todas as suas orquestrações de marketing e táticas de merchandising em nível global.

Fato interessante é que alguns especialistas declararam recentemente, assim como inúmeros leigos e cidadãos comuns puderam constatar, que os últimos ataques ao World Trade Center foram em muito motivados ou estimulados pela incessante propaganda massiva de Hollywood, através de seus filmes de guerra, ataques terroristas e tragédias provocadas por inimigos comuns.

Quem não achou as cenas dos ataques terroristas nos EUA como sendo típicas cenas de cinema? Neste caso, a vida também pareceu imitar a arte.

A partir do momento em que os "Cavaleiros de Jedi", personagens de fantasia do filme "Star Wars" (que o grande antrópologo Joseph Campbell já disse ser nossa mitologia contemporânea), transformaram-se em prática "religiosa" nos EUA, chegando a constar como alternativa no mais recente censo realizado pelo Office for National Statistics; quando ficamos sabendo que grandes diretores de filmes de ação de Hollywood estão sendo escalados para ajudar o exército norte-americano a imaginar possíveis ameaças terroristas que poderão ser enfrentadas pelo país no futuro, dando conselhos ao governo e à alta inteligentsia de como lidar com essas possíveis ameaças, alguma coisa parece estar errada - ou pelo menos distorcida.

Não estaria havendo aí alguma inversão de valores, ou troca de pontos de vista? Mais parece uma inversão de foco, em que a lógica e os valores da gênese da realidade imaginário-midiática (os roteiristas de cinema) acabam prevalecendo sobre os valores e a lógica da gênese da sociedade real (os grupos sociais, o Estado), chegando até a servir de auxílio pedagógico ao pensamento militar estratégico dos EUA.

E mais: até que ponto podemos ter totalmente consciência dessa inversão de foco, ou dessa inversão de valores? Será que é mesmo possível distingüirmos com exatidão os limites que separam fantasia e realidade, e quais são esses limites?

Diante disto tudo, pode-se até especular até que ponto o terrorismo global é influenciado pela indústria de sonhos (e neuroses) norte-americana. Ou até que ponto as ações terroristas são fruto direto da persuasão ostensiva da cinematografia norte-americana.

Pois, sabemos, Bin Laden aprendeu muito com a CIA a ser o que hoje ele é - uma ameça mundial repudiada principalmente pela pátria que lhe serviu de escola.

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